domingo, 3 de março de 2013

"MINHA MENTE ENXERGA", DIZ CEGO QUE FAZ CARRINHOS DE MADEIRA


      Em uma sala pequena, nos fundos da casa onde mora com a esposa e a filha, em Cascavel, no oeste do Paraná, o aposentado Jair Moraes, de 59 anos, passa praticamente o dia todo fazendo artesanato com madeira. Apenas com a imaginação e as mãos, ele vai dando forma aos carrinhos. Isso porque ele perdeu totalmente a visão há aproximadamente oito anos e, desde então, se dedica às obras de arte. “Eu passo praticamente de 12 a 15 horas por dia. Só vou lá dentro almoçar, assistir ao jornal e tomar um chimarrão”, disse.
      Quando o médico disse que estava com uma doença hereditária rara, em que o levaria à cegueira, Jair confessa que levou um choque, mas a ajuda da família foi fundamental para superar as dificuldades. "A minha família me ajudou muito na época. Então, dava muita alegria para a gente. Pensava que eu não posso desistir. Deus, do nada, faz tudo", desabafou. Moraes teve uma retinose pigmentar, caso em que a retina se degenera.
      Sem poder mais trabalhar, o aposentado encontrou nos carrinhos uma forma de passar o tempo e não deixá-lo para baixo. “A minha profissão antes era de fundição. Como perdi a minha visão, comecei na brincadeira para entreter. Daí comecei a fazer umas rodinhas, inventei os fusquinhas, os tratores, caminhonetes”, completou.
      “Jair dos Carrinhos”, como também é conhecido, sabe onde fica cada peça, cada instrumento usado para fazer as obras de arte. “Aqui é uma terapia para minha mente, para o meu corpo físico. Se eu não tivesse inventado isso daqui, hoje eu já estava deprimido. Deus me deu esse privilégio”, contou.


      A limitação devido à deficiência visual não impede que as peças produzidas por Jair dos Carrinhos, fiquem bem feitas. Ele conhece cada detalhe e sabe quando está perfeita. As peças produzidas chegam às mais variadas montagens nas mãos do cascavelense. Ele produz caminhonetes, kombis, fuscas, carros de modelos antigos, lambretas, carros de boi. “Se a gente percebe que não fica bom, a gente faz de novo. (...) As pessoas não acreditam que eu faço esses carrinhos. Se eu levar essas rodinhas e falar que eu fiz, as pessoas não vão acreditar”, ressaltou.
      Na garagem de casa, é possível ver uma exposição de carrinhos. A maioria, construídos com base em modelos antigos, que ele lembra da infância ou dos tempos que trabalhou como mecânico. “Eu tenho paixão por carros antigos. E os carros de boi porque quando eu era criança a gente ajudava. Então, a lembrança, a saudade está dentro da gente”, assegurou.
      Apesar das dificuldades para enxergar, Moraes afirmou que se machucou apenas uma vez e garante que dificilmente pede ajuda para encontrar as ferramentas. "Eu me sinto realizado porque, hoje, é difícil de depender os outros. (...) A minha esposa está fazendo o almoço, está lavando a roupa e eu não quero incomodar. Então, a gente depende de sobreviver meio por conta", destacou. Questionado sobre como faz para fazer os carrinhos é rápido e direto. “Isso é dom de Deus. A minha mente enxerga”.
      A matéria-prima das esculturas é reaproveitada de pedaços encontrados na rua, de doações. "Tem pessoas que vêm trazer as madeiras aqui em casa para mim", complementou. Segundo Moraes, além da "terapia", os carrinhos também ajudam no sustento. "Esse dom que Deus me deu é fazer artesanato e ter um estilo de vida melhor. De vez em quando eu vendo um carrinho, dois, três, seis", disse. As peças são vendidas a partir de R$ 50.
      As dificuldades provocadas pela cegueira não lhe trouxeram tristeza. “Eu sou feliz. Eu toco violão, toco teclado, toco gaita, canto na igreja, sou feliz. Tenho dois filhos homens, tenho uma filha mulher, tenho minha esposa”, conclui.



FONTE: Rede Saci

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