terça-feira, 10 de março de 2015

AFINAL, NAPOLEÃO FOI ENVENENADO?

 
 
     O Imperador estava irreconhecível, os traços repuxados, a pele cor de cera. A Águia não era senão uma sombra de si mesma em meados do mês de abril de 1821. Já havia alguns anos que Napoleão Bonaparte se queixava de dores no estômago – os primeiros problemas manifestaram-se em 1816. Essas dores intensificaram-se a ponto de impedi-lo de caminhar, como costumava fazer, em torno de sua residência de Longwood.

     O círculo imperial não se inquietou nem um pouco. Todos os exilados em Santa Helena tiveram de sofrer, em um momento ou em outro dos seis longos anos que passaram na ilha, dessas perturbações ligadas ao mesmo tempo ao clima e à alimentação. Se acrescentarmos que, desde o início de sua detenção, o imperador deposto engordara muito, a ponto de se tornar “um homenzinho obeso” – nas palavras de seus carcereiros –, será possível compreender melhor por que os seus próximos não ficaram alarmados de imediato com a degradação de seu estado de saúde.

     Em 15 de abril de 1821, Napoleão ditou seu testamento, o que, finalmente, inquietou a todos. Em 1º de maio, Louis Marchand, criado de quarto pessoal do imperador, alertou o círculo. Acometido de um mal-estar quando despertou, seu senhor teve de retornar ao leito. Isso não estava entre seus hábitos.

     Recusando a visita dos médicos ingleses que lhe enviara Hudson Lowe, o governador da ilha, Napoleão mergulhou durante longas horas em estado semicomatoso. Ao despertar, no final da tarde, pediu que colocassem o busto de seu filho sobre a borda da chaminé, diante de seu leito. Depois disso, perdeu outra vez a consciência.

     No dia seguinte, sua respiração tornou-se estertorante. Durante seus raros momentos de lucidez, ele parecia tomado por delírios. Apesar de um dia de alívio, em 4 de maio Napoleão desfaleceu novamente ao final da tarde. Sua noite foi agitada. Na alvorada do dia 5, estava em agonia. Seus próximos sucediam-se à sua cabeceira para lhe apresentar suas derradeiras homenagens, mas ele já estava longe. Às 7 horas da manhã, balbuciou algumas palavras. Louis Marchand acreditou ter ouvido: “ França...França...” Napoleão desfaleceu mais uma vez. Ele reabriria os olhos apenas no final da tarde, para murmurar, num último sobressalto, frases incoerentes das quais emergiam as palavras “cabeça“ e “exército“, antes de, aos 51 anos, entregar a alma.

     Seu criado anotou a hora precisa da morte (17h49) e em seguida correu para informar as autoridades inglesas. No dia 6, Hudson Lowe veio constatar o falecimento de seu prisioneiro. Os médicos britânicos Thomas Short, Archibald Arnott, Francis Burton e Matthew Lewingstone procederam então a uma autópsia. Seu relatório confirmou que o Imperador havia engordado muito desde o início de sua detenção: “(... ) À primeira vista, o corpo parece muito gordo, o que é confirmado por uma incisão praticada no baixo ventre, onde a gordura que cobre o abdômen tem mais de uma polegada e meia de espessura”.

     Eles examinaram em seguida, um a um, os órgãos do defunto. “Ao abrir o abdômen, vê-se que a camada que recobre os intestinos é, também, extremamente gordurosa; o coração é de tamanho natural, mas revestido de grande camada de gordura; as aurículas e os ventrículos nada têm de extraordinário, exceto que as partes musculares parecem mais pálidas do que deveriam ser. Ao examinar o estômago, percebe-se que essa víscera é sede de um grande mal: fortes adesões ligam toda a superfície superior (...) até a superfície côncava do lobo esquerdo do fígado; ao separá-lo, descobre-se que uma úlcera penetra os revestimentos do estômago (...) e que ela tem tamanho suficiente para se passar em seu interior o dedo mindinho. (...) A superfície interior do estômago, quer dizer, quase toda a sua extensão, apresenta uma massa de características cancerígenas, na qual partes fibrosas e de consistência dura se transformam em câncer; o estômago está quase repleto de um líquido que faz lembrar borra do café “, escreveram. Segundo os médicos, esse tumor estaria na origem da morte. Portanto, um câncer, como já havia acontecido com seu pai, Carlos Bonaparte, teria matado Napoleão.

     O coração e o estômago foram removidos e depositados em vasos de prata contendo álcool. Uma vez terminada a operação, o corpo, fechado depois da autópsia, foi vestido com o uniforme da guarda imperial. Foram colocadas sobre o seu peito todas as ordens que o defunto havia criado ou recebido durante o seu reinado. Em seguida, o cadáver foi posto sobre a cama dobrável que o imperador tinha o costume de levar consigo em suas campanhas militares. O casaco azul com bordados de prata que ele vestira na batalha de Marengo lhe serviu de mortalha.

     Em conformidade com suas últimas vontades, Napoleão Bonaparte foi enterrado três dias mais tarde na ilha, perto de uma nascente, no chamado vale do Túmulo. Sua sepultura não recebeu inscrição alguma porque os britânicos se opuseram a que constasse a menção “Napoleão” ou mesmo “Imperador “.

     Desde que a notícia de seu desaparecimento chegou a Paris, dois rumores contraditórios começaram a circular, ambos difundidos pelos círculos bonapartistas. De acordo com o primeiro, não era o Imperador que teria morrido e sim um sósia: Napoleão I havia conseguido escapar de seu exílio em Santa Helena e preparava seu retorno. O segundo afirmava que o Imperador havia sido assassinado por seus carcereiros para, precisamente, impedi-lo de realizar esse projeto.

     Em 1961, um toxicologista sueco, Sven Forshufvud, persuadido de que os sintomas de Napoleão não correspondiam a um câncer, fez analisar uma mecha de cabelos do Imperador. Realizadas pelo professor Hamilton Smith, do Departamento de Medicina Legal da Universidade de Glasgow (Escócia), essas análises revelaram a presença de uma forte concentração de arsênico. Começou ali um longo debate, que se estende até os dias atuais.
 
Por Baudouin Eschapasse

FONTE: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/


Baudouin Eschapasse é jornalista e escritor

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