quinta-feira, 29 de março de 2012

UM PRÍNCIPE AFRICANO EM PORTO ALEGRE - 240 ANOS DE PORTO ALEGRE


      Quem passa pela rua Lopo Gonçalvez na Cidade Baixa, nem imagina que na metade da sua quadra (onde hoje existe um condomínio), ficava a casa do Príncipe Custódio Joaquim de Almeida, ou Osuanlele Okizi Erupê.
      Nascido na Nigéria em 1831, seria filho de um rei, destronado pelos ingleses no final do século XIX. É comum afirmar que a vinda do Príncipe ao Brasil seria resultado de um acordo com os ingleses, que lhe ofereceram uma renda permanente para que não apresentasse resistência, abdicando seu trono e se exilando em outro país. Veio, então, como príncipe para o Brasil, sendo muito reconhecido como o consolidador das religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul. Inicialmente fixou-se em Rio Grande e Bagé, vindo para Porto Alegre com 70 anos de idade. Falava fluentemente francês e inglês e era cercado de muitas histórias, freqüentando, inclusive a alta sociedade da época. Sua casa, na Cidade Baixa, era frequentadíssima. Sua festa de 100 anos durou três dias, ao som de tambores africanos.
      Depois de peregrinar em vão pela Bahia e Rio de Janeiro, os búzios indicaram ao príncipe exilado de sua terra, Benin — entre a Nigéria e o Togo —, pela coroa inglesa, o Rio Grande do Sul como uma espécie de terra prometida. Alcançou o porto de Rio Grande em 1864 e chegou a Porto Alegre no início do século passado. Circulou como um branco livre, em plena escravatura, pela corte rio-grandense, de braços dados com ilustres líderes políticos, de Júlio de Castilhos a Getúlio Vargas, que durante seu governo perseguiu os seguidores das religiões afro.
      Seus conhecimentos de idioma português não eram muito corretos, porém podia expressar-se fluentemente em inglês e francês, além de falar ainda vários dialetos das tribos africanas que havia governado. As festas a que levava a efeito periodicamente em sua casa - notadamente na data de seu aniversário - duravam três dias com a casa sempre cheia de gente, da manhã à noite, se comia e se bebia do bom e do melhor ao som dos tambores africanos que batucavam sem parar naquelas setenta e duas horas. E nesses dias o príncipe recebia a visita da gente mais ilustre da cidade, inclusive do presidente do Estado, Borges de Medeiros que, conhecendo a ascendência daquele homem sobre a população de cor, ia felicitá-lo, talvez mais por motivos políticos do que por outra coisa. 
       A casa do príncipe vivia sempre lotada de gente, de visitantes e de pessoas que ele encontrava nas ruas e lhe pediam auxílio. No verão, em janeiro, o programa era conhecido. Ia todo mundo para a casa de propriedade de Custódio Joaquim de Almeida, na Praia de Cidreira. A viagem para o velho balneário era qualquer coisa de sensacional e folclórico. Embora fosse dono de carruagem e tivesse dinheiro para alugar quantas diligências quisesse, o príncipe gostava de viajar em carretas puxadas por bois na maior calma e na mais incrível lentidão. 
         Custódio plantou o Bará, orixá que, segundo a tradição, abre e fecha os caminhos, em 7 pontos da capital gaúcha. Entre esses lugares estaria o Palácio Piratini e o Mercado Público, que trouxe a figura do príncipe negro de volta durante a reforma do prédio histórico, em 1993. O prédio é um lugar místico para os adeptos dos terreiros há mais de cem anos. 
      Na prática, há os que dizem que a figura do príncipe negro não passe de uma lenda; e os que procuram desenterrar uma história bem escondida. Morto aos 104 anos, em 1936, Custódio deixou um legado espiritual que tem pesado por mais de um século sobre o Rio Grande do Sul.


Bará no Mercado Público

      A importância simbólica que o Mercado tem para os seguidores das religiões afro-gaúchas se dá pelo fato de acreditarem que no “cruzeiro” central do prédio esteja assentado o Orixá Bará, que na concepção africana, é a entidade que abre os caminhos, sendo também o guardião das casas e cidades. Ali estaria “assentado” o Orixá (divindade cultuada pelo batuque) em forma, imagina-se, de uma pedra. Este objeto, também chamado pelos religiosos de Ocutá, estaria enterrado na área central do Mercado, significando que o Orixá está ali, para ser visitado, cultuado e receber oferendas. O Bará representa também o trabalho, a fartura e o início de todas as coisas. Por isto é muito comum ver religiosos em seus ritos jogarem moedas no centro do Mercado, principalmente perto da Banca Central.

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