terça-feira, 2 de agosto de 2011

ROMEU E JULIETA AFEGANISTÃO

                                 Rafi Mohammed na prisão

      Os dois adolescentes se conheceram dentro de uma fábrica de sorvetes em Herat, no Afeganistão. Quando os supervisores não estavam por perto, houve troca de olhares, cumprimentos murmurados e, finalmente, um número de telefone jogado discretamente no chão.
      Era o começo de uma história de amor afegã que desrespeitaria as tradições dominantes de casamentos arranjados pela família, um romance entre dois adolescentes de diferentes etnias que testaria a tolerância de uma aldeia. Os resultados vieram com uma velocidade brutal.
       Um grupo de homens avistou o casal passeando junto em um carro, mandou que parassem e começou a interrogar o menino e a menina. Por que eles estavam juntos? Que direito eles tinham? Uma multidão enfurecida de 300 pessoas se formou ao redor deles, chamando-os de adúlteros e exigindo que fossem apedrejados até a morte ou enforcados.
      Quando as forças de segurança chegaram para resgatar o casal, a ira da multidão explodiu. Eles dominaram a polícia local, incendiaram carros e invadiram uma delegacia a 10 quilômetros do centro de Herat, levantando questões sobre a força da lei em uma das primeiras cidades nas quais o controle da segurança foi transferida das tropas americanas para as forças de segurança afegãs.
      O motim, que durou horas, terminou com um homem morto, uma delegacia de polícia carbonizada e os dois adolescentes, Halima Mohammedi e seu namorado, Mohammed Rafi, confinados à prisão juvenil. Oficialmente, seus destinos estão nas mãos de um sistema legal instável. Mas eles enfrentam julgamentos ainda mais severos de suas famílias e da comunidade.
      O tio de Mohammedi a visitou na prisão para dizer que ela havia envergonhado sua família e prometeu que iria matá-la quando fosse libertada. Seu pai, um operário analfabeto que trabalha no Irã, concordou tristemente. Ele chorou durante as duas visitas que fez à cadeia, nas quais não disse quase nada para sua filha. Sangue, segundo ele, talvez seja a única saída.
      "O que pedimos é que o governo mate os dois", disse o pai, Mohammed Kher.
      Os adolescentes, envergonhados ao falar sobre amor, disseram claramente que estão prontos para morrer. Mas eles estão confusos sobre o motivo pelo qual deveriam ser executados.
      Rafi Mohammed, que tem 17 anos, disse: "Me sinto tão mal. Só rezo para que Deus dê esta menina de volta para mim. Estou pronto para perder a minha vida. Só quero que ela seja libertada em segurança.”
      Mohammedi, que acredita ter 17 anos, disse: "Somos todos humanos. Deus nos criou do pó. Por que não podemos casar ou nos amarmos?"
      O caso ganhou repercussão em parte porque mexeu com a memória de um apedrejamento brutal ordenado pelo Taleban no verão passado no norte do Afeganistão.
      Um jovem casal em Kunduz foi apedrejado até a morte por dezenas de pessoas – incluindo membros da sua família – depois de terem fugido. O apedrejamento marcou uma aplicação brutal da lei da Sharia e foi capturado em uma gravação de vídeo publicada na internet meses depois. Autoridades afegãs prometeram investigar o caso após um protesto internacional, mas ninguém foi detido.
      Comparada ao caso de Kunduz, a resposta imediata à violência em Herat foi animadora. Clérigos se recusaram a condenar o casal. Policiais arriscaram suas vidas para levar os dois adolescentes e colocá-los nas mãos do sistema jurídico, ao invés de nas mãos de parentes irritados. E a polícia informou que cinco ou seis meninas tinham fugido da cidade com seus namorados e noivos na semana após o motim.
      Depois de discutir o caso, o conselho provincial decidiu que Mohammed e Mohammedi mereciam proteção do governo porque nenhum deles estava noivo e porque disseram que queriam se casar.
"Eles não são criminosos, mesmo que tenham cometido atividades sexuais", disse Abdul Zahir, líder do conselho.
      Mas até agora suas palavras não libertaram nenhum dos adolescentes ou ofereceram a eles qualquer segurança a longo prazo.
Mohammedi foi inicialmente levada para o único abrigo para mulheres nesta província de mais de 1,5 milhão de pessoas, mas a polícia a transferiu rapidamente para o centro de detenção juvenil da cidade, um edifício antigo onde cerca de 40 meninas e 40 meninos dormem em dormitórios separados. A polícia disse ter informado o caso ao Ministério Público.
      Em entrevista na prisão juvenil,  Mohammed afirma não ter pensado que poderia causar tanta raiva  pelo fato de um jovem Tajik buscar uma menina em um bairro dominado por conservadores hazaras, membros de uma das muitas minorias étnicas do Afeganistão. "É o coração", disse Mohammed. "Quando você ama alguém, não pergunta quem ela é ou o que ela é. Você vai em frente”.
      Eles tinham muito em comum. O pai dele estava morto, assim como a mãe dela. Ambos descreveram o outro como calmo e educado, um pouco tímido. Eles gostam das mesmas canções melosas que chegam ao país pelo Irã.
      Após seis anos de escola primária, Mohammedi queria estudar inglês e fazer aulas de informática, mas família lhe disse que seria um desperdício de tempo e a mandou trabalhar na fábrica de sorvetes, ganhando US$ 95 por mês.
      Lá eles encontraram um ao outro. Mohammed passou um mês roubando saudações de Mohammedi até que ela lhe jogou o número de seu telefone a seus pés.
      O casal falava todas as noites ao telefone, mesmo que a madrasta dela reprovasse. Depois de um ano, decidiram que estavam cansados de esconder seu relacionamento. Eles se encontrariam, iriam para o tribunal e se casariam. Mohammed convenceu um primo mais velho a levá-lo até a aldeia de Jabrail, onde ela estava esperando na praça da cidade.
      Eles não tinham dirigido 30 metros quando um Toyota Corolla amarelo bloqueou seu caminho e homens irados desceram do carro. Mohammedi não ficou ferido na confusão que se seguiu, mas a multidão bateu no primo e em Mohammed até que eles caíssem.
      "Nós sabíamos que eles iriam nos matar", disse ela.
      Eles agora passam os dias em extremidades opostas da mesma cadeia juvenil, longe um do outro. Mohammed cuida de ferimentos ainda visíveis em seu rosto inchado e Mohammedi tem frequentado aulas para aprender a fazer roupa sob medida.
     Ambos dizem que querem ficar juntos, mas há complicações. Membros da família do homem morto no tumulto mandaram dizer a Mohammedi que ela carrega a culpa por sua morte. Mas ofereceram-lhe uma saída: case com um de seus outros filhos e sua dívida será paga.

Por Jack Healy

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