quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A REAL CLEÓPATRA, MUITO ACIMA DA LENDA




    Após o assassinato de sua filha Berenice, restavam a Ptolomeu Aulete quatro filhos legítimos: dois meninos, ambos chamados Ptolomeu, e duas meninas, Arsinoé e Cleópatra. Quando o faraó morreu, os meninos eram bem pequenos e Arsinoé tinha 14 anos. Quem assumiu o poder, no ano 51 a. C., foi a mais velha, Cleópatra. Aos 17 anos, ela já era admirada por suas qualidades de estadista, inteligência, energia, sentido de grandes projetos e, também, paciência e tenacidade.

     Crescera em meio ao tumulto e à angústia da guerra, da invasão. Conheceu a humilhação da ocupação estrangeira, a arrogância e a brutalidade dos romanos, os caprichos rústicos e ruidosos daquela população mestiçada que habitava Alexandria, a docilidade e a resignação dos camponeses curvados pelo peso de milênios de submissão. Por mais que tivesse orgulho de sua ascendência real e de sua herança macedônica, sentia uma profunda simpatia pelo povo egípcio, com suas virtudes ancestrais, seu amor pela paz, sua harmonia com os elementos e as estações do ano.

     Ela não era egípcia; seu sangue se constituía de heranças gregas, macedônicas e persas. Pertencia ao Egito pela inteligência e coração. De natureza generosa, orgulhosa e ousada, ela se indignou quando o jugo de Roma pesou sobre aquele país cuja civilização era tão mais antiga e refinada. Acalentou o sonho e a a ambição de livrar seu povo da tirania estrangeira. Todos os atos de seu governo e seu comportamento pessoal indicam que Cleópatra desde sempre acalentou a possibilidade de reinar sobre um vasto domínio, além- fronteiras. É imperioso abandonar o clichê da Cleópatra voluptuosa, ocupada apenas com paixões e prazeres. Ou, ao menos, é preciso reconhecer que, se essa Cleópatra realmente existiu, ela não era sua única face. Seu caráter e seu temperamento afastam qualquer tentativa de delimitação.
 
 
 
 
    Tinha vícios, mas somava a eles o raro talento de quem tem o verdadeiro gênio político de conseguir que eles concorram para a realização de seus projetos. Sua destreza em compartilhar as derrotas de César e de Marco Antônio não passava de recurso para garantir o domínio sobre os senhores de Roma e, por meio deles, realizar seus desejos e sonhos ambiciosos. Sabia ser uma grande rainha, uma amante que dominava a arte mais refinada das prostitutas e uma menina que se divertia com jogos pueris.

    O modo como ela - para conseguir chegar a César - fez com que fosse levada a seu palácio, enrolada num tapete carregado sobre os ombros de seu escravo Apolodoro de Sicília, comprova mais uma de suas adoráveis e originais qualidades e, ao mesmo tempo, mostra sua engenhosidade em inventar estratagemas e astúcias de batalha.

    Ao mesmo tempo, era mais sábia e mais culta do que qualquer mulher da época. Falava fluentemente egípcio, árabe, persa, aramaico, etíope e somali, além de suas línguas maternas.

    Plutarco afirmou que ela não era bonita. Ela devia o domínio que exercia sobre os homens que se aproximaram dela, exceção feita ao glacial Otávio, à inteligência brilhante, sedutora, feita de mil facetas, viva, fulgurante, capaz de cegar. Cleópatra VII, a mais notável das rainhas do Egito, encontrava-se em situação perigosa no momento de sua ascensão. Ela havia se casado com - e alçado ao poder - o mais velho de seus irmãos, Ptolomeu XII, então com cerca de 10 anos de idade. Esse marido não podia ajudá-la em nada, e além disso ela conservava o título de rei, como fizera anteriormente Hatshepsut, que aparece usando a barbicha postiça ritual, nas efígies. Essa tradição perdera-se com o passar do tempo, mas nos registros fala-se dela como de um rei, e não como de uma rainha, e as moedas a tratam de basileus, não de basilissa.

    O exército romano acampava muito próximo de Alexandria. No palácio, o poder era dividido entre três personagens influentes: Aquilas, um egípcio chefe do exército real, Teódoto, um grego de Quios que era preceptor dos reais infantes, e o eunuco e tutor Potino, também grego. Esse trio se orgulhava de governar a mulher e o rei-infante. Já o exército romano lembrava ininterruptamente aos egípcios que sua independência já não mais existia e que os súditos eram da República Romana, não de Cleópatra. Mas a qual fração, ou facção, da república os guerreiros pertenciam: a César ou a Pompeu? A guerra havia sido declarada, entre esses dois aspirantes a ditador. Cada um deles tinha levado suas tropas, e era evidente que só a força das armas decidiria o conflito que ameaçava pôr a ferro e fogo os mundos oriental e ocidental.
 
 

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