segunda-feira, 26 de agosto de 2013

E A TAL CONTADORA DE HISTÓRIAS...





      Dia desses, fui procurado por um jornal aqui do Rio Grande do Sul para rebater as críticas que meus livros tinham recebido de uma contadora de histórias gaúcha. Pedi ao jornalista que me enviasse as críticas da tal senhora para que eu soubesse a que se referiam. Sinceramente, não tenho problemas com críticas e nem com elogios. Acredito que ambos sejam as manifestações mais genuínas do quanto um trabalho agrada ou não. Porém, quando a crítica é feita de uma forma grosseira e preconceituosa, como a que foi realizada pela tal contadora de histórias, acho válido comentar...

    A tal contadora de histórias iniciou os seus escritos dizendo que eu havia feito “bullying” com os personagens dos contos de fadas.  Achava um absurdo os nomes dos personagens estarem vinculados as suas deficiências e disse que eu havia mutilado (e em outro momento no seu facebook ela trocou mutilado por “aleijado”) os personagens dos contos de fadas. Para mim, isso é preconceito puro, e rebati dizendo que não via demérito algum em a Chapeuzinho Vermelho ser cadeirante ou em o Aladim ter Síndrome de Down.

   O fato de eu ter associado o nome dos personagens com as suas deficiências não se constitui “bullying” ou ofensa, visto que chamar alguém de cegou ou de surdo não é pejorativo. A convenção realizada pela ONU em 2006 estabeleceu formas corretas de se referir às pessoas com deficiência, mas pelo visto, a tal contadora de história ignora isso completamente e prefere ficar presa a sua visão obsoleta, pouco inteligente e preconceituosa.  

    A coleção “era uma vez um conto de fadas inclusivo” se propõe a discutir e a provocar a reflexão das diferenças de uma forma direta e objetiva, sem máscaras. Entendo que tal postura incomode aos mais conservadores. Afinal, nem todo mundo consegue lidar com isso com naturalidade. Tem gente sem deficiência que acha que sentar numa cadeira de rodas dá azar, por exemplo... Não me surpreenderei se a tal contadora de histórias pensar assim. Também,  pudera. Alguém que teve a capacidade de dizer que os contos de fadas já possuem “deficientes” demais (sete anões, sendo que um é “surdo-mudo”, segundo ela e o próprio patinho feito), não deve ter sua opinião tão levada em conta. Quanta confusão motivada por desconhecimento! Em primeiro lugar, o anão “mudo” e não “surdo-mudo” foi criado pela versão da Branca de Neve da Disney. O mesmo não acontece com a versão dos Irmãos Grimm (que segundo ela, devem estar se debatendo nas sepulturas em virtude dos meus livros). Ou seja, os contos de fadas vêm se transformando pelos séculos.

     O patinho feio tem deficiência? Não sabia... A menos que ser feio seja uma deficiência. Realmente, argumentações lamentáveis e desprovidas de conhecimento e de bom senso.

      Que ela tenha achado os livros ruins e ridículos, tudo bem. Está no seu direito.  Assim como ela não gostou, tem muita gente que adorou e que pede para que eu continue abordando a temática das diferenças nos próximos projetos. Porém, vir pra cima de mim com abordagem preconceituosa e até vulgar, como no fato de questionar se os genitais do João sem braços não tinham sido feridos por ele ter subido o pé de feijão usando as pernas e a boca, acho de última.

    Sim, o João sem braços subiu o pé de feijão usando a boca e as pernas. Qual o problema? Ele é personagem de um livro infantil, não de um documentário da Discovery. Onde fica a fantasia e a imaginação? Estamos falando de literatura infantil, não da realidade.  Pouco provável que ele conseguiria? E o que falar da boneca de pano Emília do Monteiro Lobato que caminhava, falava e era inteligentíssima? E o que dizer do Visconde de Sabugosa, um sabugo de milho sábio?

    No dia que as pessoas com deficiência (que tanto têm me agraciado com elogios e comentários positivos e sobre os livros) se sentirem ofendidas com os contos de fadas inclusivos, aí sim, vou ficar preocupado. Quem tem uma deficiência quer é ser visto e respeitado, e não escondido.

     Lamentável que uma contadora de histórias tenha esses tipos de preconceitos...  Na sua crítica amadora, ela disse que sentia pena das criancinhas deficientes que iriam ler os meus livros (como se a coleção tivesse sido feito exclusivamente só para crianças com deficiência)...  Quem tem pena sou eu, mas das crianças que escutam as histórias que essa mulher conta. Felizmente, meus livros não serão lidos por essa senhora, uma vez que ela se recusa a lê-los para quem quer que seja. Melhor mesmo... Seria incoerente uma ferramenta que vem sendo utilizada no país todo e em Portugal como forma de reflexão sobre as diferenças, estar ganhando vida através de uma voz tão preconceituosa.

 Cristiano Refosco

Um comentário:

  1. Olá Cristiano, Sou educadora e fico feliz por ver pessoas como você com um trabalho tão bonito, cheio de vida e trabalhando novos conceitos e NÃO PRECONCEITOS como o da sra dos comentários. Como é bacana saber que a Branca de Neve tambem continua linda se fosse a Negra do Sol pois o que se evidencia nessas histórias é a bondade,solidariedade, e o amor entre as pessoas, sejam elas como forem ,porquê o mundo é de todos e de cada um.Beijão!

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