A transição para a era moderna não trouxe nenhuma melhora higiênica – pelo contrário, o progressivo inchaço das cidades gerou catástrofes sanitárias. Em Londres, Paris ou Lisboa, a disposição de lixo e de dejetos humanos era feita na rua mesmo. No suntuoso Palácio de Versalhes, um decreto de 1715, baixado pouco antes da morte do rei Luís XIV, estipulava que as fezes seriam retiradas dos corredores uma vez por semana – do que se deduz que o recolhimento era ainda mais esparso antes. Versalhes não tinha banheiros, mas contava com um quarto de banho equipado com uma banheira de mármore encomendada pelo próprio Luís XIV – objeto que serviria apenas à ostentação, caindo no mais absoluto desuso. Os médicos certa vez recomendaram banhos ao Rei Sol como forma de terapia para as convulsões que ele andava sofrendo – mas interromperam esse tratamento dramático quando o monarca se queixou de que a água lhe dava dor de cabeça. Acreditava-se então no poder de cura da imersão em água para certas doenças.
Contraditoriamente,
porém, também se atribuíam perigos ao banho: lavar o corpo
todo abriria os poros, facilitando a infiltração de doenças
(ironicamente, as práticas precárias da higiene pessoal facilitaram
epidemias européias, como a peste e a cólera). Significativo é
um caso de 1610 envolvendo o avô de Luís XIV, Henrique IV. Esse rei
fez a deferência de dispensar o duque de Sully de uma convocação
para comparecer ao Palácio do Louvre. Em vez disso, foi Henrique IV que
visitou Sully, para tratar de assuntos de estado – isso tudo apenas porque
o duque havia se banhado recentemente e, portanto, estaria suscetível demais
para sair à rua.
Outra crença
curiosa do mesmo período diz respeito ao poder purificador da roupa: acreditava-se
que o tecido "absorvia" a sujeira do corpo. Bastaria, portanto, trocar
de camisa todos os dias para manter-se limpinho. Já no século XIX,
o rei português dom João VI – o fujão que estabeleceu
sua corte no Rio de Janeiro – mostrava-se descrente até da troca de
camisas, que ele literalmente deixava apodrecer no corpo. A porquice de dom João
VI, extraordinária até para os baixos padrões sanitários
de seu tempo, está bem descrita em outro livro lançado neste ano,
Passado a Limpo – História da Higiene Pessoal no Brasil, do
jornalista Eduardo Bueno. Mesmo coberto de feridas e contaminações
na pele, dom João VI fugia da água.
FONTE: http://veja.abril.com.br/
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