É
claro que o banho não sumiu da paisagem européia da noite para o
dia. Katherine Ashenburg observa que alguns dos primeiros patriarcas do cristianismo,
como o teólogo Tertuliano e os santos Agostinho e João Crisóstomo,
ainda freqüentavam a casa de banho. Aos poucos, porém, esses locais
foram sendo associados ao pecado e à dissolução dos costumes
pagãos. Mais voltado para a interioridade do que o judaísmo, o cristianismo
desconfiava de qualquer atenção conferida ao próprio corpo.
Místicos mais extremados como São Francisco de Assis consideravam
a sujeira um modo de penalizar o próprio corpo, aproximando o espírito
de Deus (o mesmo São Francisco, no entanto, era conhecido pelo desprendimento
com que lavava as feridas de leprosos). Ao codificar no século VI algumas
das regras da vida monástica, são Bento determinou que só
os monges doentes ou muito velhos fossem autorizados a se banhar. Na maioria dos
conventos e monastérios da Europa medieval, o banho era praticado duas
ou três vezes ao ano, em geral às vésperas de festas religiosas
como a Páscoa e o Natal. Supõe-se que a média de banhos entre
a população que vivia fora do claustro não tenha sido muito
superior.
Uma vez perdida na poeira medieval,
a prática de lavar o corpo todos os dias demoraria séculos para
se restabelecer (e em alguns países europeus ainda não se restabeleceu).
O banho foi no máximo uma moda episódica – cavaleiros que voltaram
das cruzadas, por exemplo, trouxeram o hábito do banho quente, comum entre
os muçulmanos, então muito mais asseados do que seus contendores
cristãos. No século XIII, o popular Romance de La Rose, poema
francês repleto de conselhos eróticos, trazia uma série de
recomendações para o asseio feminino. As mulheres deveriam manter
unhas, dentes e pele limpos – e, sobretudo, deveriam zelar pela limpeza da
"câmara de Vênus". No século seguinte, jogos eróticos
no banho também compareceriam no Decameron, do italiano Giovanni
Boccaccio. O prestígio do banho, porém, parece ter sido apenas literário.
O cristão europeu médio seguiu lavando o rosto e as mãos
antes da refeição e esfregando seus dentes com paninhos – e
a tanto se resumia sua higiene pessoal.
FONTE: http://veja.abril.com.br/
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