quarta-feira, 14 de maio de 2014

HISTÓRIA DA HIGIENE - SÉCULOS DE IMUNDÍCIE - PARTE 2



      É claro que o banho não sumiu da paisagem européia da noite para o dia. Katherine Ashenburg observa que alguns dos primeiros patriarcas do cristianismo, como o teólogo Tertuliano e os santos Agostinho e João Crisóstomo, ainda freqüentavam a casa de banho. Aos poucos, porém, esses locais foram sendo associados ao pecado e à dissolução dos costumes pagãos. Mais voltado para a interioridade do que o judaísmo, o cristianismo desconfiava de qualquer atenção conferida ao próprio corpo. Místicos mais extremados como São Francisco de Assis consideravam a sujeira um modo de penalizar o próprio corpo, aproximando o espírito de Deus (o mesmo São Francisco, no entanto, era conhecido pelo desprendimento com que lavava as feridas de leprosos). Ao codificar no século VI algumas das regras da vida monástica, são Bento determinou que só os monges doentes ou muito velhos fossem autorizados a se banhar. Na maioria dos conventos e monastérios da Europa medieval, o banho era praticado duas ou três vezes ao ano, em geral às vésperas de festas religiosas como a Páscoa e o Natal. Supõe-se que a média de banhos entre a população que vivia fora do claustro não tenha sido muito superior.
      Uma vez perdida na poeira medieval, a prática de lavar o corpo todos os dias demoraria séculos para se restabelecer (e em alguns países europeus ainda não se restabeleceu). O banho foi no máximo uma moda episódica – cavaleiros que voltaram das cruzadas, por exemplo, trouxeram o hábito do banho quente, comum entre os muçulmanos, então muito mais asseados do que seus contendores cristãos. No século XIII, o popular Romance de La Rose, poema francês repleto de conselhos eróticos, trazia uma série de recomendações para o asseio feminino. As mulheres deveriam manter unhas, dentes e pele limpos – e, sobretudo, deveriam zelar pela limpeza da "câmara de Vênus". No século seguinte, jogos eróticos no banho também compareceriam no Decameron, do italiano Giovanni Boccaccio. O prestígio do banho, porém, parece ter sido apenas literário. O cristão europeu médio seguiu lavando o rosto e as mãos antes da refeição e esfregando seus dentes com paninhos – e a tanto se resumia sua higiene pessoal.

FONTE: http://veja.abril.com.br/

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