domingo, 17 de abril de 2011

DO DIÁRIO DA ALINE - "A CURA"

A Aline (a Massoni, não a Moraes - eheheh) mais uma vez contribuiu com o blog. Valeu Aline!



A Cura

Quando os pais descobrem que o filho vai nascer com alguma deficiência, logo começam as expectativas sobre os tratamentos e seus resultados.
       Certo dia eu estava na sala de espera de uma clínica de reabilitação esperando para tirar as medidas de um aparelho ortopédico, quando um casal que estava aguardando o atendimento de seu filho cadeirante  (que tinha cerca de cinco anos), aproximou-se de mim:
       - Quanto custa uma cadeira de rodas motorizada?
      Eu respondi:
      - Depende, porque é feita sobre medida.  A minha custou nove mil reais.
       O homem olhou para mulher e disse:
       - Daqui a algum tempo vamos ter que comprar uma para o Alexandre!
       A mulher rebateu:
        - Não vai ser preciso porque ele vai caminhar...
       O pai da criança complementou:
        - É para isso que o trazemos pra fisioterapia,  para ele caminhar e ficar curado.
       Sorriram pra mim e a conversa se encerrou por ali. Porém,  uma pergunta não saía da minha cabeça: o que é cura para uma pessoa que tem deficiência?
       Logo começaram a vir na minha mente lembranças da minha infância, quando eu era pequena e não tinha cadeira de rodas. Naquela época, eu usava um carinho de bebê marrom,  daqueles antigos e quando estava em casa, ficava sentada em uma cadeira de praia cor de rosa. Da janela da cozinha eu ficava olhando as crianças da minha rua brincando... E eu sem poder participar... Quando questionava alguém o porquê de eu não poder brincar também, me respondiam: 
“- Você não pode ir  com as outras crianças porque não caminha e porque não pode correr... Mas não se preocupe... Você está fazendo fisioterapia e no ano que vem vai caminhar!”
        Desde pequena sempre fui submetida a varias simpatias,  cultos religiosos e cirurgias... Tudo em busca da tal cura, e assim os anos foram se passando. Quando entrei para o colégio as crianças me perguntavam:
       - Por que você não caminha?
Eu então respondia:
 - Não caminho porque sou burra!
       Quando eu questionava minha mãe  o porquê de eu não andar, ela dizia que tinha acontecido um probleminha na hora do parto, que tinha faltado oxigênio e que parte das células que comandariam as minhas pernas haviam morrido. Era uma forma simples de  explicar que eu tinha algo irreversível.
       Aí eu me pergunto: Será que a cura para a minha paralisia cerebral não teria sido eu possuir  uma cadeira de rodas quando pequena e aprender a me locomover nela? Não teria sido melhor aprender como qualquer criança a fazer as atividades da vida diária, ao invés de esperar para fazer as coisas quando eu estivesse curada?
       Assim fui passando por uma frustração atrás da outra... Na minha primeira comunhão eu não queria colocar vestido de jeito nenhum, porque há muitos anos já havia traçado a meta de que naquele momento eu já estaria caminhando... Afinal, esse tipo de vestido não combina com quem só fica sentada.
       Nos meus quinze anos a mesma coisa, mas desta vez eu me neguei a usar vestido. Um familiar ainda me disse:
       - Ainda bem que tu não colocou vestido! Além de não combinar contigo, ia ficar parecendo uma bruxa, sentada com um vestido rodado.
       Hoje,  penso que desperdicei as melhores fases da minha vida aguardando a tal cura, esperando para aproveitar quando eu estivesse andando com as próprias pernas. Na verdade, agora estou curada: faço as minhas atividades diárias sozinha, vou aonde quero, administro meu dinheiro, cuido de tudo da minha vida.
       A cura muitas vezes não está em andar com as suas próprias pernas,  mas sim com suas próprias rodas!

                               Aline Massoni

Nenhum comentário:

Postar um comentário