A carta foi escrita pelo Movimento Cidade para Todos
Movimento Cidade para Todos
Aos estilistas da Casa de Criadores e à sociedade em geral,
O Movimento Cidade para Todos, constituído em grande
parte por pessoas com deficiência visual, vem a público, e
principalmente aos responsáveis pelo ramo de moda e vestuário,
manifestar seu repúdio à reportagem publicada pelo jornal Folha de S.
Paulo, em 7 de junho, intitulada "Jovens Estilistas Criam Roupas para
Deficientes Visuais", que segue abaixo de nossa carta para conhecimento
de todos.
Antes, eximimos de responsabilidade os estilistas
envolvidos nesse projeto, aos quais desejamos muito sucesso e de quem
temos certeza de que a intenção foi a melhor possível. Contudo, o
conjunto de pessoas cegas deste e de outros grupos com os quais nos
articulamos sentiu-se ultrajado pela matéria, que demonstra total
desconhecimento sobre a realidade da pessoa cega.
Totalmente desnecessárias, calças com elásticos no
lugar de botões, couro e tricoline para distinguir lados da roupa,
jaquetas com diferenciação entre os tecidos da frente e das costas,
numeração em alto relevo nos bolsos de coletes e outras "soluções"
apresentadas, menosprezam a intelectualidade e capacidade de vestir-se
das pessoas cegas que, certamente, mais uma vez não foram consultadas
nesse projeto.
Será que alguém, por um acaso, vê por aí uma pessoa
cega andar com uma roupa pelo avesso ou aberta por não saber fechar um
botão? Quem é que, mesmo enxergando, deixou de vestir-se corretamente e
sem dificuldades por fazê-lo no escuro?
Lamentamos informar, portanto, que os senhores
estilistas, assim como os leitores da Folha de S. Paulo, caíram em uma
verdadeira cilada. Os estilistas, ao produzirem e anunciarem a criação
de uma moda "pensada" para pessoas com deficiência visual, trabalho em
que foram extremamente mal orientados e que, certamente, foi realizado
sem o suporte de pessoas com deficiência visual verdadeiramente sérias e
comprometidas com a inclusão e melhoria da qualidade de vida desse
grupo social.
Esclarecemos que uma pessoa cega apenas não enxerga,
mas tem todas as outras funcionalidades do corpo preservadas. Andamos,
comemos, nos movimentamos e, principalmente, temos cérebros pensantes, o
que talvez não saibam os insensatos que se intitulam conhecedores do
tema, instalados na Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com
Deficiência de São Paulo (SEDPcD-SP), a começar pela sua pomposa
titular, que em seis anos de puro marketing não conseguiu apresentar
qualquer projeto digno em prol das pessoas cegas e com baixa visão, que
somam mais de 1 milhão de cidadãos em São Paulo e 6,5 milhões em todo o
Brasil.
Aliás, cabe lembrar que essa mesma Secretaria
atualmente se encontra sob investigação do Ministério Público do Estado
de São Paulo, mergulhada em graves denúncias de exercício de nepotismo e
improbidade administrativa e que, com essas artimanhas midiáticas,
apenas procura jogar fumaça sobre essas denúncias, ocultando-se sob um
falso manto de eficiência, preocupação e atenção às necessidades dos
paulistas com deficiência.
Esclarecemos que não nos opomos à chamada "moda
inclusiva", desde que entendida como necessária para uma pessoa com
deficiência que realmente possua severo comprometimento motor,
necessitando de tecidos diferenciados, fáceis de vestir e desvestir,
entre outras soluções que apenas este público, sempre consultado
diretamente, em conjunto com os profissionais do setor, saberia decidir.
Mesmo assim, entendemos que essa "ciência" deveria se chamar, de fato,
"Moda Exclusiva", a não ser que primasse pelos princípios do Desenho
Universal.
Assim sendo, pedimos a gentileza de deixarem de
brincar de inclusão e principalmente de vender a imagem das pessoas com
deficiência sensorial, cegos e surdos, como se fossem incapazes de
escolher as próprias roupas, de vesti-las ou de combinar peças de
maneira harmoniosa.
Essa "brincadeira" pode nos custar caro, reforçando nosso estigma na sociedade e dificultando ainda mais nossa vida, especialmente em termos profissionais. Quem contrataria um cego para trabalhar se achasse que ele sequer consegue se vestir sozinho ou que vá comparecer à empresa parecendo um palhaço?
Essa "brincadeira" pode nos custar caro, reforçando nosso estigma na sociedade e dificultando ainda mais nossa vida, especialmente em termos profissionais. Quem contrataria um cego para trabalhar se achasse que ele sequer consegue se vestir sozinho ou que vá comparecer à empresa parecendo um palhaço?
Por fim, informamos que a única e óbvia dificuldade
dos cegos no vestir-se restringe-se somente à identificação das cores
das roupas, suas nuances e tonalidades. Mas isso podemos resolver
autonomamente com o uso de aplicativos de celular que já nos permitem
saber qual a cor de um objeto focado pela câmera do aparelho.
Ficamos à disposição dos estilistas da Casa de Criadores para qualquer esclarecimento sobre o tema.
Atenciosamente,
Movimento “Cidade para Todos”
Movimento “Cidade para Todos”
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