sábado, 5 de março de 2011

INCLUSÃO E EDUCAÇÃO - RELATO DE LEANDRA CERTEZA

Pesquisando na Internet encontrei o blog da Leandra... Em partes, vou postar algumas das experiências dela quanto a questão da inclusão nas escolas. Muito legal! A Leandra atualmente tem 33 anos é uma pcd. Ela tem osteogênese imperfeita (ossos de vidro).
Por Leandra Migotto Certeza em 2003

          Fico feliz em poder contar um pouco da minha história pelo universo escolar. Querem viajar comigo pelo túnel do tempo? Há 26 anos eu nasci. Em um tempo em que a diversidade natural do ser humano ainda era pouco abordada pela mídia. Hoje se fala muito em Educação Inclusiva, Responsabilidade Social, Terceiro Setor, Voluntariado, Inclusão Social, Consumo Consciente... Porém, a distância entre a teoria e a prática ainda é grande. Vejam só...

Pré-escola: onde criança quer mais é ser feliz!

          Graças à amizade de meus familiares com diretores de uma escola, consegui cursar o pré-primário em meio às delícias da infância. Comi muita areia, brinquei de pega-pega, "pulei" corda, cantei cantigas de roda, visitei parques, fiz desenhos, aprontei com massinha de modelar, "subi" em trepa-trepa, brinquei de roda, aprendi a ler e escrever. Aos cinco anos, dava um jeito de participar de tudo. Como minhas pernas ainda não tinham forças para agüentar meu corpo, usava o bumbum e corria pelo pátio junto com os amigos. Sabia que para fazer algumas coisas precisava de ajuda, como subir em uma cadeira ou escada, pegar um livro na estante, ir às excursões... Mas nunca deixei de ser e estar na escola!

          Muitas crianças com deficiência ainda não conseguem ter acesso à escola. Minha sorte foi que os meus familiares conheciam os diretores e explicaram que eu não seria uma aluna que, segundo o preconceito da época, traria "problemas" aos outros colegas, professores ou pais. Embora menor do que eles, pois tinha o tamanho de uma criança de dois anos, era bem alta no tom de voz quando queria dizer algo. Acho que isso até hoje é uma das minhas características mais fortes e que às vezes acaba sendo um pouco exagerada... Mas naquela época, essa espécie de "compensação" foi super importante para que eu nunca fosse esquecida do jeitinho que era.

          Aos seis anos de idade, depois de ser alfabetizada, vivi a triste experiência de ser segregada a uma escola dita "especial". Pois, após diversas tentativas de minha mãe em me matricular na antiga primeira série, em um colégio com alunos sem e com deficiência, acabei indo parar dentro de uma verdadeira jaula! Naquela época, devido ao descaso dos governos e da sociedade, as escolas em sua maioria adotavam o modelo assistencialista. Então, cursei dois anos em um colégio regular conveniado a uma instituição especializada em crianças com deficiência.

          Lá estagnei. Pois, numa mesma sala, uma vitoriosa professora, tinha o árduo e mágico objetivo de ensinar crianças com diferentes graus de deficiência e séries distintas. Em meio às lições de alfabetização - o que eu já dominava - crianças com comprometimentos mentais, dividiam a atenção com as que possuíam dificuldades de mobilidade como eu. É claro que todos saiam prejudicados, pois além de não termos nossas especificidades respeitadas, não tínhamos a mínima possibilidade de desenvolvermos nosso potencial. Mas sem dúvida, o fato mais marcante - e que ainda hoje, infelizmente, é encontrado em alguns Estados do Brasil - era a existência de uma grade que nos separava do outro mundo - o das crianças ditas "normais"! Isso era um horror! Tínhamos que tomar lanche também em um pátio separado. Parecia que iríamos transmitir alguma doença contagiosa ou "aterrorizar" as outras crianças com a nossa aparência diferenciada.

          Em um completo sistema assistencialista, éramos considerados coitadinhos que mereciam cuidado especial, mas fora do convívio com as outras pessoas. Não éramos vistos como cidadãos, com direitos e deveres. Hoje, penso que talvez fosse a transição de um processo educacional para o outro, pois, anos antes, a maioria das crianças com alguma deficiência não eram nem mesmo consideradas "aptas" à educação, permanecendo sob cuidados médicos ou como eternos bebês nos colos das suas mães. Era o início das chamadas: "Classes Especiais", que ainda existem hoje. Porém, graças à luta de inúmeras pessoas, elas são bem melhores do que antes, apesar de ainda estarem bem longe do objetivo da Educação Inclusiva: não à segregação!

          Mas, naquela época era muito complicado para uma menina de sete anos, esperta como eu (creio que para inúmeras outras também, pois não sou melhor ou pior do que ninguém), ser ignorada e ter de pedir, por favor, para ser vista pelo mundo. Por isso, sempre que possível, dava uma fugida e passeava pelos corredores do colégio no colo das "tias". Elas me levavam de volta ao sonho do qual despertará: o convívio com todas as crianças. Não que eu não me sentisse bem perto dos meus amigos com alguma deficiência, pois, desde os três anos, estava no meio deles, nas sessões de fisioterapia e hidroterapia em uma instituição especializada. Mas não entendia porque tinha que me manter escondida dos outros sem deficiência.

          E é por isso que hoje, quando participo de congressos e escrevo artigos sobre Educação Inclusiva, sei da importância que o TODO têm na vida de uma pessoa. As crianças, os jovens e os adultos têm o direito, assegurado na nossa Constituição Federal, à educação em meio à diversidade inata ao ser humano. Todos nós nascemos sem nenhum preconceito, pois só os "formamos" após sermos "ensinados" do que é "certo" ou "errado" - apesar de eu não gostar dessas palavras, pois não refletem a complexidade e amplitude humana. Portanto, nunca vamos discriminar alguém por não ter um braço ou uma perna, ou porque fala, ouve, enxerga ou anda diferente de nós. Muito pelo contrário, criança que é criança, quer mais é ser feliz! Não importa como!
Depois de muita luta, finalmente, uma escola inclusiva!

          Eu fui muito feliz, mesmo depois de alguns tropeços pela vida e, literalmente, ossos quebrados. E em 1986, depois de muitas andanças por aí e "portas na cara", finalmente minha mãe, meio que por milagre, conseguiu me matricular em uma escola dita regular. Mais uma vez, eu, infelizmente, ainda era a única aluna com alguma deficiência que havia estudado lá. Pois, a maioria das mães encontravam inúmeras dificuldades para conseguir que seus filhos fossem aceitos nas escolas; uma vez que ainda não era lei, como é hoje, a obrigatoriedade em matricular qualquer aluno que batesse na porta de um colégio.

          Nessa escola eu pude desenvolver todo o meu potencial de uma menina de 9 anos. Como havia parado de andar, era levada no colo pelos colegas e professores, que nunca me deixaram de fora das atividades, inclusive das broncas. E uma vez fui parar na diretoria e tomei suspensão por ter xingado uma menina, que - diga-se de passagem - era muito chata. Esse fato ilustra o verdadeiro significado da inclusão em sua plenitude: tratar todas as pessoas igualmente respeitando suas diferenças. Acredito que esse sentimento pode estar dentro de cada um de nós ou em pessoas mais sensíveis "ligadas" na evolução da vida.

          É importante ressaltar, que, felizmente, eu tive uma grande sorte, pois nunca ninguém me tratou diferente dentro da medida das minhas diferenças. A equiparação de oportunidade - mesmo que ainda apenas intuitivamente - sempre era usada para que eu me sentisse completamente incluída. O que significa isso? Quer dizer que, se eu precisasse de uma carteira mais baixa; uma rampa; ser levada no colo (pois hoje sei que deve ser ao máximo evitado, porque todas as crianças têm o direito à privacidade, individualidade, oportunidade de crescimento e desenvolvimento adequado à idade); ou ser acompanhada por minha mãe em passeios, entre outras coisas, tudo era providenciado.

          Naquela época pouco se falava sobre os conceitos de Acessibilidade e Desenho Universal, os quais garantem rampas, elevadores, sistemas de computação para leitura em voz alta direcionada aos cegos e/ou deficientes visuais, intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para surdos e/ou deficientes auditivos; salas de recursos e/ou professores de apoio para algumas deficiências metais, entre outros recursos. E como eu não sabia quase nada sobre o assunto, não exigi muito da escola para adaptar as dependências de forma que amanhã outros alunos com dificuldades como eu pudessem utilizar. Hoje, fico feliz, em saber que o colégio foi ampliado e dispõe de rampas e elevadores. Mas ainda pretendo fazer um trabalho de conscientização sobre a inclusão, para que eventuais alunos com outras deficiências, como auditiva, visual, mental ou múltipla (união de duas ou mais deficiências), ou crianças obesas possam se sentir tão bem quanto eu.


          Outro ponto super importante a relatar, é que o conteúdo do currículo, da pedagogia e das atividades do antigo primeiro grau e do ginásio não foi alterado em nenhum aspecto. Nunca recebi nota alta em matemática - matéria que detesto até hoje e não sei direito - só porque parecia uma "bonequinha de louça", como diziam os médicos ou professores. Muito pelo contrário, era punida da mesma forma caso colasse nas provas - coisa que só fazia em matemática mesmo... Além disso, não era elogiada mais do que os meus amigos por uma pesquisa ou nota, pois sempre estive na média em relação ao desempenho escolar da sala. Caso merecia reconhecimento era exclusivamente pelo que havia feito com muito orgulho e dedicação!

          Infelizmente, só permaneci lá até a antiga oitava série. Minha formatura do curso ginasial foi marcante. Todas as minhas amigas me incentivaram a participar. E com um certo receio sobre o que a minha imagem física poderia trazer aos outros - coisa super valorizada quando se têm 14 anos - fiquei muito feliz ao entregar rosas à diretora, mesmo estando sentada em uma cadeira com meu lindo vestido branco.

          É isso aí, durante esse fundamental período da vida escolar, pude contar com pessoas éticas, responsáveis, profissionais e acima de tudo humanas, que nunca me deixaram me sentir menor ou maior do que ninguém. Fiz muitos amigos e amigas. E depois de formada em uma universidade voltei ao colégio e me emocionei com a alegria das professoras e diretoras ao me verem andando.

          Antes de terminar o "capítulo" desse relato, não posso esquecer de dizer que quando conheci essa escola, tanto os diretores como os professores não temeram em enfrentar uma situação nova e desafiadora. Acreditaram na minha capacidade, nas informações conscientes de minha mãe e acima de tudo na vida, pois ela, felizmente, não é dada igualmente a todos nós! Acredito que é isso o que os educadores devem ter em mente hoje em pleno século 21. A diversidade faz parte da vida e, conseqüentemente, da vida das escolas! Então, por que fugir dela?



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