Existe na Argentina um senhor chamado Joaquín Salvador Lavado, filho de imigrantes espanhóis, que dia 17 de julho completa 80 anos. Talvez isso não virasse notícia se, com o apelido que carrega desde a infância, ele não tivesse se tornado um dos maiores artistas do continente americano.
Trata-se de Quino, o criador da popular Mafalda e cartunista capaz de provocar inveja em desenhistas de diferentes gerações.
Para o artista, datas são coisas sérias. Neste ano, enquanto as redes sociais prestavam homenagens a um suposto cinquentenário da adorável Mafalda, Quino, de hábito recluso, divulgou uma nota em seu site oficial corrigindo enfaticamente: Mafalda surgiu oficialmente em 29 de setembro de 1964, data em que foi publicada pela primeira vez em uma tira no semanário Primera Plana.
Mesmo o aniversário do próprio Quino é sujeito a correções desse tipo. Em sua página, o artista informa que, nos registros oficiais, ele consta como nascido em 17 de agosto, mas sua data de nascimento correta é 17 de julho.
– O Quino é uma pessoa especial, um dos artistas mais íntegros que já conheci, muito erudito, com uma formação notável – diz Ziraldo, amigo desde os anos 1950.
Parte do encanto de Mafalda, de sua visão de mundo e do segredo dos cartuns que Quino fez depois disso é, apesar da graça irreprimível de cada peça, o pessimismo de seu autor, um cético com relação à trajetória humana – justamente o que dá caráter atemporal e perene a seu trabalho. Como resume Cristóbal Reinoso, o Crist, outro grande nome dos quadrinhos argentinos e amigo do mestre:
– Esse senhor sério, pouco melancólico, que diz coisas tão inteligentes como as daquela menina de cabelos pretos em forma de capacete, que gosta de um bom vinho de Mendoza e que pode estar em Paris, Madri ou Buenos Aires, é um autor clássico que convive conosco sem que nos demos conta.
Quino é um artista que conseguiu o amor do público e o respeito, a admiração, quase veneração, às vezes, de seus pares no ofício. E nem sempre pelos mesmos trabalhos. Quino tornou-se popular com o que realizou ao longo de uma década nas tiras da Mafalda, que desenhou de 1964 a 1973.
Mas a fascinante menininha é um personagem que segue renovando seu público à medida que o tempo passa. Uma multidão de profissionais do traço também admira o que o argentino fez no humor depois de abandonar sua personagem de maior sucesso – uma obra que, apesar de sua excelência, permanece desconhecida de alguns desavisados.
Seja na faceta mais popular do trabalho de Quino ou naquela que é elogiada por especialistas, permanece, contudo, a qualidade de um trabalho impecável de um autor de ideias desconcertantes.
Quino conseguiu cedo algo que muitos autores sonham: criar um personagem inesquecível. Nem por isso, deu-se por satisfeito.
Amada incondicionalmente por gerações de leitores, Mafalda, a menina que amava os Beatles e detestava sopa, no fim já não era alvo do afeto de seu criador: "Acabou se tornando um personagem opressivo, um obrigação, e então deixou de ser divertido, fiquei cansado", disse Quino à jornalista espanhola Maruja Torres, em uma entrevista inclusa na coletânea Toda Mafalda, da Martins Fontes, que reúne todas as tiras da personagem.
– O Quino sentiu com o sucesso da Mafalda o que o Conan Doyle sentiu com o Sherlock Holmes: para não ficar preso ao sucesso do personagem, resolveu matá-lo e partir para outras coisas – diz Ziraldo.
Deixada de lado por seu criador, Mafalda nunca parou de cativar fãs e influenciar artistas. Laerte, um dos maiores cartunistas brasileiros, já confessou, em mais de uma entrevista, que Mafalda foi fundamental para sua opção de se tornar desenhista. Fernando Gonsales, o criador do Níquel Náusea, também confessa ter bebido na mesma fonte:
– Certamente sua influência foi muito grande sobre mim, tive muito trabalho para parar de tentar imitar o seu traço e sua forma narrativa especial. Conheci a Mafalda quando era pequeno, meio por acidente, numa livraria na Argentina. Acho demais o Manolito – diz.
Mafalda permaneceu atual a ponto de cativar a geração das redes sociais, nas quais tiras da menina são alvo de compartilhamento constante – ao ponto de Quino ter vindo a público para declarar que não aprova o uso de seus desenhos com fins políticos.
FONTE: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/
FONTE: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/
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