Nem sempre a discriminação vem na forma de palavras de ódio. Às vezes, ela é mascarada por supostas boas intenções. Esse é o assunto que a hashtag #ÉCapacitismoQuando levantou na internet.
A mobilização começou em lembrança ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, comemorado no último dia 3. A ideia veio de um grupo de amigos, todos deficientes físicos, que queriam dar força ao debate, com a proposta de conscientizar sobre atitudes cotidianas, até comuns, de capacitismo (termo utilizado para definir a discriminação com a capacidade física de uma pessoa).
Segundo a designer Marina Batista Francisco, uma das organizadoras do movimento e que sofre de uma doença degenerativa, a questão sempre é debatida pelas pessoas com deficiência. Ela e os colegas, porém, decidiram que esta ganharia mais visibilidade se fugisse dos tradicionais “textões” da rede. Confira a conversa que o #VirouViral teve com uma das criadoras da hashtag.
Como surgiu a ideia da hashtag? Não tínhamos grandes pretensões, pois sempre falamos sobre isso nas redes e nunca viralizou. Mas formamos um grupo de pessoas, deficientes, dispostas a ajudar na conversa e, assim, escolhemos a hashtag. Uma das nossas colegas fez o twibbon (tradução do termo: campanha online pelo Twitter) e tudo aconteceu.
Como o “capacitismo” se diferencia de outros tipos de preconceitos? Capacitismo é um conceito um tanto novo e pouco difundido no Brasil. Lá fora é o ableism (no termo em inglês). Resumidamente, é o preconceito e discriminação por formas e habilidades corporais. É necessário que saibamos classificar as discriminações para poder entender suas origens. Com os negros é racismo, com os LGBTs é homofobia e transfobia. Dessa forma, direcionamos os esforços para combatê-los. O preconceito é sempre direcionado, nunca é vago.
A maioria das postagens fala sobre atitudes não escancaradas de preconceito, sobre ações que, às vezes, podem estar travestidas de boas intenções. Você acha que, em relação ao capacitismo, as pessoas são preconceituosas sem perceber? Quase tudo que postamos na tag são atitudes corriqueiras, justamente porque as pessoas não as entendem como preconceito e não notam que nos discriminam. Da mesma forma como era completamente aceitável, há algum tempo, mulheres não trabalharem por toda a sociedade achar que deveriam apenas ser donas de casa e mães. Em um aspecto mais amplo, eu posso dizer que nós somos respeitados por compaixão e pelo receio de descumprir alguma lei. É muito incomum sermos enxergados como igual e é isso que queremos mudar. Nosso maior problema como minoria não está no acesso físico, mas naquilo que chamamos de “acessibilidade atitudinal”.
Quando você se sente discriminada pessoalmente, fala sobre isso para a pessoa que teve tal atitude? Depende. Se eu vou em algum lugar e estranhos me dão “parabéns” por simplesmente estar lá vivendo, como eu vou chegar pra pessoa e falar: “Olha, obrigada, mas apesar do seu parabéns ser um reconhecimento, eu só tenho que fazer este esforço porque a nossa sociedade não é acessível para mim. Além do mais, você daria parabéns para uma amiga que não tem deficiência só por ela estar ali?”.
A internet tem o poder de dar voz para aquelas pessoas que não teriam coragem de falar o que as incomoda pessoalmente? As redes permitem que divulguemos esse tipo de coisa. Mas não dá para sermos insensíveis e ignorarmos o histórico das pessoas que são preconceituosas. Falta informação sobre o tema, que não era tratado com relevância antes. Contextualizando para a realidade brasileira, são poucas as pessoas com deficiência que têm acesso à tecnologia.
O fato de muitas pessoas com deficiência não terem contato com essas inovações contribui para que o debate não tenha tanta repercussão quanto os de outros tipos de preconceito? A nossa falta de visibilidade existe em consequência de um looping no qual vivemos: usualmente, não temos acesso à boa educação acadêmica, por dificuldades que enfrentamos em efeito de nossas deficiências; o que gera falta de trabalho e de renda; o que não permite termos acesso a oportunidades mais ambiciosas. A consequência final é a falta de contato com as novas tecnologias. Historicamente, foi pior. Era vergonhoso ter um filho ou parente deficiente. As pessoas os escondiam. A mãe era considerada “culpada” por ter um gene impuro. Porém, a meu ver, vivemos em um momento de aumento exponencial da população brasileira de PcD (pessoas com deficiência). Os acidentes automobilísticos e as armas de fogo contribuíram para isso e ficou impossível dizer e acreditar que a vida acabou para essas pessoas. Por isso, o debate.
FONTE: VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário