terça-feira, 31 de março de 2015

CADEIRA DE RODAS NÃO É PRISÃO - POR JAIRO MARQUES


 
 
     Elenque, rapidamente, umas dez palavras que remetam o seu pensamento a uma cadeira de rodas. Dor, revolta, doença, pena, tragédia, quebradura, fragilidade, dificuldade, exclusão e prisão são fortes candidatas a serem lembradas, imagino eu.
 
 
 
     Realmente, caso a sua referência seja aquilo que os bombeiros trazem esbaforidos para o departamento ao serem acionados porque a mocinha do financeiro teve um “quentão” —como se diz lá na minha terra quando alguém tem um mal súbito—, os termos fazem algum sentido.
 
     Existem também aquelas cadeiras medonhas que aparecem na TV conduzindo velhos mal-humorados em casas de repouso e aquelas coisas entregues aos pobres às vésperas de eleição por políticos bonzinhos que o diabo gosta.
 
     Mas, para um montão de gente, cadeira de rodas passa longe de ser esse objeto tão cheio de estigmas e com aspecto de peça do museu dos horrores. Passa longe de ser um poço de amarguras e de sensações depressivas. Passa longe de ser apenas uma forma de acondicionar gente para levar daqui para acolá.
 
     O veículo usado por cadeirantes, que incorporam até sua condição ao objeto, faz a diferença para a continuidade da vida e conduz o povo quebrado para a construção de realizações quaisquer que se permita sonhar (com um mãozinha de inclusão, acessibilidade, sensibilidade, é claro).
 
 
 
     A cadeira promove a liberdade, a independência, a autonomia e só aprisiona aqueles que mais valorizam aquilo que perderam do que acreditam naquilo que lhes restou.
 
     A associação entre clausura e deficiência, tão disseminada pela mídia, é obtusa, é devastadora para a valorização do ser humano em sua integralidade, e não apenas em sua capacidade de dançar o “Tchan”.
 
     Por mais que parafernálias diversas estejam sendo testadas mundo afora, uma cadeira bacaninha, que respeite a anatomia dos corpos, que seja leve, confortável, bonitona e prática pode colocar o brasileiro no centro da pista de dança, na sala de diretor, no topo da montanha, no altar e na maternidade.
 
     Muita gente acha que a vontade máxima de um cadeirante é ser picado por uma abelha e, num pirlimpimpim, ficar em pé, dar uns passinhos e gravar um vídeo para botar nas redes sociais fazendo inveja para os amigos não contemplados.
 
     Embora isso seja factível, deficientes querem, racionalmente, é ter qualidade de vida com a condição que possuem, com todas suas “tortices”, o que passa por um apoio de locomoção digno, funcional e viável economicamente.
 
     No Brasil, os melhores aparelhos que garantem o ir e vir básico de milhares de pessoas são produzidos no exterior, custando valores que, como diria minha tia Filinha, “difinitivamente” são escorchantes.
 
     Modelos manuais valem até R$ 20 mil, os motorizados podem ser mais caros que meia dúzia de Variants amarelas, valendo até R$ 40 mil.
 
     Não tenho orgulho de andar em uma cadeira de rodas, mas não me envergonho de precisar dela nem me apequeno por isso. A minha liberdade e a de milhares de outras pessoas com deficiência no país não passa pelo objeto que usamos para nos deslocar, mas pelas condições reais que a sociedade nos oferta para voar.
 
 
 
Jairo Marques é repórter e ingressou na Folha por meio do programa de treinamento da 27ª turma, em 1999, meses após se formar em jornalismo pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
    Depois de várias andanças pelo Brasil e conhecendo realidades de vida distintas, resolveu fazer pós-graduação em Jornalismo Social na PUC-SP.
    Nasceu em Três Lagoas (MS). É cadeirante desde a infância.
 
 
FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO
 
 
 
 

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